terça-feira, 12 de junho de 2007

História da Igreja – Parte 5

(texto extraído e adaptado da obra de Justo L. Gonzales, Uma História Ilustrada do Cristianismo)

O mundo greco-romano
Entretanto, nessa disseminação, a nova fé teve de abrir o seu caminho através de situações políticas e culturais que, às vezes, lhe facilitaram a passagem, e em outras lhe serviram de obstáculo.
A fim de compreender a vida cristã nesses primeiros séculos, devemos nos deter, ainda que de maneira breve, nessas circunstâncias políticas e culturais.
O Império Romano havia dado à bacia do Mediterrâneo uma unidade política nunca antes vista. Ainda que, em cada região, se mantivessem alguns velhos costumes e leis, a política do Império foi fomentar a maior uniformidade possível, sem promover excessiva violência aos costumes de cada região.
Esta havia sido antes também a política de Alexandre. Em ambos os casos o êxito foi notável, pois pouco a pouco foi se criando uma base comum que perdura até nossos dias.
Essa base comum, tanto política como culturalmente, foi de enorme importância para o cristianismo dos primeiros séculos. A unidade política da bacia do Mediterrâneo permitiu aos primeiros cristãos viajar de um lugar a outro sem temor de se verem envolvidos em guerras ou assaltos.
De fato, ao ler a respeito das viagens de Paulo, vemos que o grande perigo da navegação naquela época era o mau tempo. Alguns séculos antes, os piratas que infestavam o Mediterrâneo eram muito mais terríveis do que qualquer tempestade.
Os caminhos romanos, que uniam até as mais distantes províncias, e alguns dos quais ainda existem, não foram alheios aos pés dos cristãos que iam de um lugar a outro, levando a mensagem da redenção em Jesus Cristo.
Uma vez que o comércio florescia, os povos iam de um lugar a outro, e assim, o cristianismo chegou muitas vezes a alguma nova região, não levado por missionários, ou pregadores itinerantes, mas sim, por mercadores, escravos e outras pessoas que por diversas razões se viam obrigadas a viajar.
Neste sentido, as condições políticas da época foram benéficas para a disseminação da nova fé. Mas também houve outros aspectos dessa situação que serviram de desafio e ameaça aos primeiros cristãos.
Reparem, já que o Império buscava alcançar a maior uniformidade possível entre seus súditos de diversas origens, parte da política imperial consistia em fomentar a uniformidade religiosa. Isto se fazia mediante o síncretísmo e o culto ao imperador.
O sincretismo, que consiste na mistura indiscriminada de religiões, foi característica da bacia do Mediterrâneo a partir do século III a.C. Dentro de certos limites, Roma o incentivou, pois o Império tinha interesse em que seus diversos súditos pensassem que, ainda que seus deuses tivessem diferentes nomes e atributos, no final das contas eram todos os mesmos deuses.
Ao Panteão Romano foram se acrescentando deuses provenientes das diversas regiões. A palavra Panteão quer dizer precisamente "templo de todos os deuses".
Pelos mesmos caminhos pelos quais transitavam os mercadores e missionários cristãos, transitavam também pessoas das mais variadas religiões, e todas essas religiões se entremesclavam e se confundiam nas praças e nos foros das cidades. O sincretismo era a moda religiosa da época.
Em tal ambiente, tanto os judeus como os cristãos pareciam ser pessoas intransigentes, que insistiam em seu Deus único e diferente de todos os demais deuses.
Por esta razão, muitos viam no judaísmo e no cristianismo um quisto que devia ser extirpado da sociedade romana. Mas foi o culto ao imperador o ponto nevrálgico que desencadeou a perseguição. Muitas vezes, essas perseguições tinham características políticas. O culto ao imperador era um dos meios que Roma utilizava para fomentar a unidade e a lealdade ao império.
Negar-se a render esse culto era visto como sinal de traição ou, pelo menos, de deslealdade. Logo, não são poucos os casos em que fica patente que, ao mesmo tempo que um mártir morria por sua fé, quem o condenava o fazia levado por sentimentos de lealdade política.
Por outro lado, o sincretismo da época também se manifestava no que os historiadores de hoje chamam "religiões de mistério", ou simplesmente "mistérios".
Estas religiões não centralizavam sua fé nos velhos deuses do Olimpo — Zeus, Poseidon, Afrodite, etc. — mas em outros deuses de caráter mais pessoal.
Nos séculos anteriores, antes que se espalhasse o espírito sincretista e cosmopolita, cada indivíduo era devoto aos deuses do país em que havia nascido.
Mas agora, em meio a confusão criada pelas conquistas de Alexandre e de Roma, cada pessoa tinha de decidir a que deuses ia prestar a sua devoção. Cada um desses deuses dos "mistérios" tinha seus próprios devotos, ou seja, todos aqueles que haviam sido iniciados.
Em geral, cada uma destas religiões baseava-se em um mito acerca das origens do mundo, ou da história do deus em questão. Do Egito provinha o mito de Isis e Osíris, segundo o qual o deus Seth havia matado e esquartejado Osíris, e depois havia espalhado seus membros por todo o Egito.
Isis, a esposa de Osíris, os havia recolhido e dado nova vida a Osíris. Mas os órgãos genitais de Osíris haviam caído no Nilo, e por essa razão é que o Nilo é a fonte de fertilidade para todo o Egito.
Também por essa razão, alguns dos devotos mais fervorosos desse culto se mutilavam a si mesmos, cortando os próprios testículos e oferecendo-os em sacrifício.
Entre os soldados era muito popular o culto a Mitra, um deus de origem persa, cujos mitos incluíam uma série de combates contra o sol e contra um touro de caráter mitológico.
Na Grécia, existiam desde tempos imemoriais, os mistérios de Eleusis, perto de Atenas. Os mistérios de Átis e Cibeles incluíam um ritual de iniciação chamado "taurobolia", no qual se matava um touro e se banhava o neófito com seu sangue.
Pois bem, dado o caráter sincretista de todos estes cultos, logo uns se misturaram com outros, até o ponto em que, hoje, torna-se difícil distinguir as características, ou as práticas, de um deles em particular.
Além disso, esses deuses não eram zelosos entre si, como o Deus dos judeus e dos cristãos e, portanto, houve quem se dedicasse a colecionar mistérios, fazendo-se iniciar nesses cultos, um após o outro.
Todas estas tendências sincretistas, em que se entrelaçavam os velhos deuses, com as religiões de mistério e com o culto ao imperador, apresentaram um forte desafio ao cristianismo nascente.
Já que os cristãos se negavam a participar de tudo isto, frequentemente eram acusados de incrédulos e ateus. Diante de tais acusações, os cristãos podiam recorrer a certos aspectos da cultura da época que pareciam prestar-lhes apoio.
Veremos isso mais aprofundadamente algumas aulas mais à frente. Mas já podemos indicar que existiram duas tradições filosóficas em que os cristãos encontraram um nutrido arsenal para a defesa de sua fé. Uma delas foi a tradição platónica, e a outra o estoicismo.
O mestre de Platão, Sócrates, havia sido condenado a morrer bebendo cicuta porque ele era considerado incrédulo e corruptor da juventude ateniense.
Platão havia escrito vários diálogos em sua defesa, e já no século primeiro de nossa época Sócrates era tido como um dos homens mais sábios e mais justos da antiguidade.
Ora, Sócrates, Platão, e toda a tradição de que ambos eram parte, haviam criticado os deuses pagãos, dizendo que eram criação humana, e que segundo os mitos clássicos eram mais perversos do que os seres humanos.
E acima de tudo isso, Platão falava de um ser supremo, imutável, perfeito, que era a suprema bondade e beleza. E ainda, tanto Sócrates como Platão criam na imortalidade da alma, e portanto na vida depois da morte.
Platão afirmava que além deste mundo sensível e passageiro havia outro de realidades invisíveis e permanentes. Tudo isto foi de grande valor e atratividade para aqueles primeiros cristãos que se viam perseguidos e acusados de serem ignorantes e ingénuos.
Por estas razões, a filosofia platónica exerceu uma influência muito grande no pensamento cristão daquela época e que ainda hoje perdura.
Algo semelhante sucedeu com o estoicismo. Esta escola filosófica — algo superior ao platonismo — ensinava doutrinas de alto caráter moral. Segundo os estóicos, há uma lei natural impressa em todo o universo e na razão humana, e essa lei nos diz como devemos nos comportar.
Se alguns não vêem essa lei e não a seguem, isto se deve ao fato de que são néscios, pois quem é verdadeiramente sábio conhece essa lei e a obedece. Além disso, já que nossas paixões lutam contra nossa razão, e tratam de dominar nossas vidas, a meta do sábio é fazer com que sua razão domine toda paixão, até o ponto de não senti-la.
Esse estado de não sentir paixão alguma é a "apatia", e nisto consiste a perfeição moral segundo os estóicos. Também, nesse caso, podemos imaginar o atrativo desta doutrina para os cristãos, que se viam obrigados a enfrentar repetidamente os costumes corruptos de sua época e a criticá-los.
Já que os estóicos haviam feito o mesmo, em suas idéias e escritos, os cristãos encontravam apoio para sua defesa e propaganda. Igualmente ao platonismo, isso acarretava o perigo de que se chegasse a confundir a fé cristã com estas doutrinas filosóficas, e que assim se perdesse algo do caráter único do evangelho.
Não faltaram aqueles que, em um aspecto ou noutro, sucumbissem diante dessa tentação. Mas isso não há de ocultar o grande valor que estas doutrinas tiveram na primeira expansão do cristianismo.
Segundo o apóstolo Paulo, o cristianismo penetrou no mundo "quando veio a plenitude, do tempo". Talvez alguém entendesse isto no sentido de que Deus facilitara o caminho àqueles primeiros cristãos.
E não há dúvidas de que muito do que estava acontecendo no século primeiro facilitou o avanço da nova fé. Mas também é certo que esses mesmos acontecimentos colocavam diante da igreja desafios difíceis que exigiam enorme valor e audácia.
A "plenitude do tempo" não quer dizer que o mundo estivesse pronto a se tornar cristão, como uma fruta madura pronta para cair da árvore, mas quer dizer que, nos desígnios inescrutáveis de Deus, havia chegado o momento de enviar o seu Filho ao mundo para sofrer morte de cruz, e de espalhar os discípulos por esse mesmo mundo, a fim de que eles também dessem o testemunho de sua fé no Crucificado.

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