quarta-feira, 13 de junho de 2007

História da Igreja - Parte 12

Gigantes da Fé
Ambrósio de Milão e Outros
Entre os muitos gigantes cristãos que o século IV produziu, nenhum levou uma vida tão interessante como Ambrósio de Milão.
Sua eleição para o bispado
O ano era 373, quando a morte do bispo de Milão veio turbar a paz desta grande cidade. Auxêncio, o bispo falecido, tinha sido posto neste cargo por um imperador ariano, que havia enviado para o exílio o bispo anterior. Agora a sede estava vaga, e a eleição ameaçava transformar-se em um tumulto que poderia ser sangrento, pois tanto os arianos como os nicenos estavam decididos a fazer com que um dos seus fosse eleito.
Para evitar derramamento de sangue, Ambrósio, o governador da cidade, foi pessoalmente à igreja onde seria realizada a eleição. Seu governo justo e eficiente lhe tinha conquistado as simpatias do povo. Natural de Tréveris, Ambrósio era filho de um alto funcionário do Império, e por isto esperava que sua carreira política o levasse a posições cada vez mais elevadas. Mas para que sua carreira não fosse arruinada era necessário evitar uma desordem violenta na eleição do novo bispo de Milão.
Com isso em mente, Ambrósio foi à igreja, pediu a palavra e começou a exortar o povo com a eloquência que mais tarde o faria famoso. À medida que Ambrósio falava a multidão se acalmava, dando a impressão de que os esforços do governador teriam bom êxito.
De repente um menino gritou: "Ambrósio bispo!" Inespe¬radamente o povo também começou a gritar: "Ambrósio bispo! Ambrósio bispo! Ambrósio! Ambrósio! Ambrósio!"
Para Ambrósio este grito da multidão podia significar o fim de sua carreira política. Por isso ele abriu passagem entre o povo, foi até o pretório e condenou diversos presos à tortura, na esperança de perder sua popularidade. O populacho, porém, o seguia e não se deixava convencer. Então o jovem governador mandou trazer para sua casa mulheres de má fama, para assim destruir a opinião que o público tinha dele. Mas o povo continuava na frente de sua casa, e continuava gritando que queria que Ambrósio fosse seu bispo. Duas vezes ele tentou fugir da cidade, ou se esconder, mas seus esforços fracassaram. Por fim, rendendo-se à insistência do povo e à ordem imperial, ele concordou em ser o bispo de Milão.
Ambrósio, todavia, nem sequer tinha sido batizado, pois naquela época muitas pessoas — especialmente as que ocupavam cargos públicos elevados — demoravam seu batismo até o final dos seus dias. Por isso foi necessário começar batizando-o. Depois, no transcurso de uma semana, ele foi feito sucessivamente leitor, exorcista, acólito (aquele que acompanha e serve, na Igreja Católica, aos ministros superiores), subdiácono, diácono e pres¬bítero, até que foi consagrado bispo oito dias depois, no dia primeiro de dezembro de 373.
O pastor de Milão
Ambrósio não quis ser bispo, mas, a partir do momento em que aceitou o cargo, ele se dedicou a cumprir cabalmente suas funções. Para ajudá-lo no trabalho administrativo da igreja ele chamou para junto de si seu irmão Urânio Sátiro, que era governador de outra província. Fez vir também o presbítero Simpliciano, que anos antes lhe tinha ensinado os rudimentos da fé cristã, para que fosse seu mestre de teologia. Sendo um homem culto, e dedicando-se com assiduidade ao estudo, Ambrósio em pouco tempo veio a ser um dos melhores teólogos da igreja ocidental. Urânio Sátiro morreu pouco depois em consequência de um naufrágio, mas, no tempo que passou com Ambrósio, ele ajudou o novo bispo a pôr seus assuntos em ordem, e a tomar nas mãos as rédeas da igreja que lhe coube dirigir.
Pouco depois da morte de seu irmão, os acontecimentos deram a Ambrósio ocasião de mostrar a maneira em que entendia suas responsabilidades pastorais. Um forte contingente godo atravessou as fronteiras do Danúbio com a permissão das autoridades imperiais, mas logo se rebelou e cometeu muitos atos de violência nas regiões a leste de Milão. Em resultado a isto chegaram muitos refugiados à cidade, e muitos cativo; permaneceram presos à espera de resgate. Diante dessa situação Ambrósio mandou fundir e vender uma parte dos tesouros da igreja, para ajudar os refugiados e pagar o resgate dos cativos. Imediatamente os arianos o acusaram de ter cometido um sacrilégio. Ambrósio retrucou:
"É muito melhor guardar almas para o Senhor, do que ouro. Porque quem enviou os apóstolos sem ouro, sem ouro reuniu também as igrejas. A igreja não tem ouro para armazená-lo, mas para entregá-lo, para gastá-lo em favor dos que têm necessidades. . . . Melhor é conservar os vasos vivos que os de ouro."
Da mesma forma Ambrósio lhes disse, ao escrever sobre os deveres dos pastores, que a verdadeira força consiste em apoiar os débeis contra os poderosos, e que eles devem convidar para suas festas e banquetes não os ricos que podem recompensá-los, mas os pobres, que têm maior necessidade e que não podern lhes oferecer nenhuma recompensa.
Ambrósio teve outra oportunidade de pôr esses princípios em prática quando, pouco depois da morte de Valente, o novo imperador, Graciano, condenou um nobre pagão injustamente à morte. O homem em questão não fazia parte da grei de Ambrósio, mas o bispo cria que seus deveres se estendiam além dos membros da sua igreja. Graciano, que provavelmente suspeitava o que Ambrósio queria dele, se negava a lhe conceder audiência. Finalmente, Ambrósio conseguiu entrar às escondidas no lugar onde o imperador estava dando uma exibição de caça, e ali insistiu com ele para que perdoasse a vida do réu. A princípio o imperador e seu séquito se indignaram contra quem interrompia suas diversões. Mas mais tarde, vencido pela coragem do bispo e pela justiça do seu pedido, Graciano perdoou o condenado, e agradeceu a Ambrósio por tê-lo obrigado a fazer justiça.
Ambrósio, porém, nunca ficou sabendo do seu triunfo mais importante. Entre seus ouvintes na catedral de Milão estava um jovem intelectual que tinha seguido uma longa peregrinação espiritual. Agora os sermões de Ambrósio foram um dos instru¬mentos que Deus usou para sua conversão. Aquele jovem se chamava Agostinho, e mesmo tendo sido Ambrósio quem o batizou, o bispo de Milão não parece ter notado os dotes excepcionais do novo convertido, que depois viria a ser o mais fa¬moso de todos os "gigantes" da sua época.
Ambrosio faleceu no dia 4 de abril de 397, domingo da ressurreição.

João Crisóstomo
Cem anos depois de sua morte, João de Constantinopla recebeu o título pelo qual o conhecemos hoje: João Crisóstomo — o homem da língua dourada. Esse título era bem merecido, pois em um século que produziu oradores como Ambrósio de Milão e Gregório de Nazianzo, João de Constantinopla se ergueu acima de todos — gigantes acima dos gigantes.
Para João, todavia, o púlpito não era simplesmente uma tribuna onde ele oferecia brilhantes peças de oratória. Ele foi antes a expressão oral de toda a sua vida, cenário da sua batalha contra os poderes do mal, vocação insubornável que mais tarde lhe custou o desterro e até a vida.
Voz do deserto que clama na cidade
Crisóstomo foi monge acima de tudo. Antes de ser monge foi advogado, educado em sua própria cidade natal de Antioquia pelo famoso orador pagão Libânio. Conta-se que quando alguém perguntou ao velho mestre quem deveria ser seu sucessor, ele afirmou: João, mas os cristãos se apossaram dele.
Antusa, a mãe de João, era uma cristã fervorosa, e amava seu filho com um amor profundo e possessivo. Aos vinte anos de idade, o jovem advogado solicitou inclusão de seu nome na lista dos que se preparavam para o batismo, e três anos depois, que era o período de preparo exigido então, ele foi batizado nas águas pelo bispo Melécio. Tudo isso era do agrado de Antu¬sa. Mas, quando seu filho comunicou seu propósito de abandonar a cidade e se dedicar à vida monástica, isto foi demais para ela, e ela o fez prometer que ele não a abandonaria enquanto ela vivesse.
A resposta de João foi simplesmente organizar um mosteiro em sua própria casa. Ali ele viveu em companhia de três amigos de sentimentos semelhantes até que, morta sua mãe, ele foi viver entre os monges das montanhas da Síria. Quatro anos ele passou aprendendo a disciplina monástica, e outros dois praticando-a com todo o rigor em meio à mais completa solidão. Como ele mesmo diria, esta vida monástica talvez não fosse o melhor preparo para a tarefa pastoral: "Muitos que passam da solidão monástica à vida ativa de sacerdote, ou bispo, se evidenciam completamente incapazes de enfrentar as dificuldades da nova situação".
Seja como for, João regressou a Antioquia depois de seus seis anos de retiro monástico, foi ordenado diácono, e pouco depois presbítero. Como tal, ele começou a pregar, e sua fama logo se espalhou por toda a igreja de fala grega.
Quando o bispado de Constantinopla ficou vago em 397, João foi obrigado por ordem imperial a ocupar o cargo. Sua popularidade era tão grande em Antioquia que as autoridades mantiveram em segredo o que tramavam. Simplesmente o convidaram a visitar uma capela fora da cidade, e quando estava distante do povo ordenaram-lhe que entrasse na carroça imperial, na qual ele foi levado para Constantinopla contra a sua vontade. Ali ele foi consagrado bispo — ou patriarca, pois o bispo dessa cidade ostentava este título — em princípios de 398.
Constantinopla era uma cidade rica, dada ao luxo e às intrigas políticas. Esta situação tinha piorado porque o grande imperador Teodósio tinha morrido, e os dois filhos que lhe tinham sucedido — Honório e Arcádio — eram indolentes e ineptos.
Arcádio, que oficialmente governava o Oriente de Constantinopla, por sua vez se deixava governar pelo admi¬nistrador do palácio, Eutrópio, que utilizava seu poder para satisfazer suas próprias ambições e as de seus amigos. Eudóxia, a imperatriz, se sentia humilhada pelo poder do administrador — apesar de dever a ele a possibilidade de ter casado com Arcádio.
Na própria escolha de João não faltaram intrigas de que ele mesmo nem sabia, pois Teófilo, o patriarca de Alexandria, tinha feito tudo que podia para colocar no trono episcopal de Constantinopla um alexandrino, e Eutrópio tinha imposto sua vontade e nomeado o antiocano João.
O novo bispo de Constantinopla não sabia de nada disso. Até onde conhecemos seu caráter, é bem provável que mesmo tendo conhecimento de tudo ele teria agido como agiu. O antigo monge continuava sendo-o, e não podia tolerar a maneira com que os habitantes ricos de Constantinopla queriam adaptar o evangelho aos seus próprios luxos e comodidades.
Seu primeiro objetivo foi reformar a vida do clero. Alguns sacerdotes que diziam ser celibatários tinham em suas casas mulheres que chamavam de irmãs espirituais, e isto escandalizava a muitos. Outros clérigos tinham se tornado ricos, e viviam em tanto luxo como os poderosos civis da grande cidade. As finanças da igreja estavam completamente desorganizadas, e a tarefa pastoral era negligenciada. João logo enfrentou todos estes problemas, proibindo que as "irmãs espirituais" vivessem com os sacerdotes, e exigindo que estes levassem uma vida austera. As finanças foram submetidas a um sistema de controle detalhado. Os objetos de luxo que haviam no palácio do bispo foram vendidos para dar de comer aos pobres. E o clero recebeu ordens para abrir as igrejas durante as tardes, para que as pessoas que trabalhavam pudessem entrar nelas. É desnecessário mencionar que isto tudo, apesar de lhe conquistar o respeito de muitos, também lhe granjeou o ódio de outros.
A reforma, no entanto, não poderia ser limitada ao clero. Era necessário que os leigos também levassem uma vida mais de acordo com os princípios evangélicos. Por isso o orador de língua dourada trovejava do púlpito:
Esse freio de ouro na boca do teu cavalo, este aro de ouro no braço do teu escravo, esses adornos dourados em teus sapatos, são sinal de que estás roubando o órfão e matando de fome a viúva. Depois de morreres, quem passar pela tua casa dirá: "Com quantas lágrimas ele construiu esse palácio? Quantos órfãos se viram nus, quantas viúvas injuriadas, quantos operários receberam salários injustos?" Assim nem mesmo a morte te livrará dos teus acusadores.
Era o monge do deserto que clamava na cidade. Era a voz do cristianismo antigo que não se dobrava às tentações do cristianismo imperial. Era um gigante cuja voz fazia tremer até os fundamentos da sociedade — não por que sua língua era de ouro, mas porque suas palavras eram do alto.
As vidas de Crisóstomo e Ambrósio, comparadas, nos são indícios do rumo diferente que a longo prazo as igrejas do Oriente e do Ocidente encetariam. Ambrósio enfrentou o mais poderoso imperador da sua época, e saiu vencedor. Crisóstomo, por sua vez, foi destituído e enviado para o exílio pelo débil Arcádio. A partir do próximo século, a igreja do Ocidente — isto é, a de fala latina — se tornaria cada vez mais poderosa, em meio aos desastres que destruíram o poder do Império. No Oriente, pelo contrário, o Império duraria por mais mil anos. Às vezes forte, outras vezes fraco, esse rebento oriental do velho Império Romano — o chamado Império Bizantino — guardaria com zelo suas prerrogativas sobre a igreja. Teodósio não foi o último imperador do Ocidente que teve de se humilhar diante de um bispo de fala latina. E João Crisóstomo — o da língua de ouro — não foi o último bispo de fala grega enviado para o exílio por um imperador do oriente.

Jerônimo
Dos gigantes do quarto século nenhum é tão interessante como Jerônimo. Interessante não por sua santidade, como António, o eremita, nem por sua intuição religiosa, como Atanásio, nem por sua firmeza contra a injustiça, nem tampouco por sua devoção pastofal, como Crisóstomo, mas por sua luta gigantesca e interminável com o mundo e consigo mesmo. Mesmo sendo conhecido como "São Jerônimo", ele não era destes santos a quem foi dado gozar nesta vida a paz de Deus. Sua santidade não foi humilde, amável e doce, mas orgulhosa, grosseira e amarga. Jerônimo sempre desejou estar acima do humano, e por isso não tinha paciência com os que lhe pareciam ser indolentes, nem com os que de alguma maneira ousa¬vam criticá-lo. Entre as muitas pessoas que foram objeto dos seus ataques impiedosos estavam não só os hereges, os igno¬rantes e os hipócritas, mas também João Crisóstomo, Ambrósio de Milão, Basílio de Cesaréia e Agostinho de Hipona. Os que se atreviam a criticá-lo eram simplesmente "asnos de duas patas". Mas apesar dessa atitude — e em parte por causa dela — Jerônimo conquistou um lugar entre os gigantes do cristianismo no século IV.
Jerônimo nasceu por volta de 348 em um lugar remoto do norte da Itália. Considerando sua data de nascimento, ele era mais novo que muitos gigantes que estudamos. Mas Jerônimo nasceu velho, e por isto logo se considerou muito acima dos seus contemporâneos. E, o que é ainda mais surpre¬endente, muitos deles logo passaram a encará-lo como uma instituição imponente e antiga.
Recebeu o batismo quando tinha uns vinte anos de idade, e poucos anos depois decidiu viajar para o Oriente. Jerônimo tinha se dedicado ao estudo das letras, e nesse campo o ocidente latino tinha grande admiração pelo oriente grego. Além disso, ele decidiu se dedicar ao estudo das letras divinas, depois de uma experiência em Tréveris que não sabemos com precisão, e neste campo o oriente também era famoso. A primeira cidade que visitou foi Antioquia, onde passou algum tempo para aprender melhor o grego. Pouco depois pediu a um judeu convertido que lhe ensinasse o hebraico.
Mas isso não bastava. Jerônimo ainda sentia uma paixão ardente pelas letras pagãs e a vida sensual. Tentando vencer suas tentações, passou a levar uma vida austera, e estudou a Bíblia com mais assiduidade. Acabou se retirando de Antioquia, para viver como eremita, em Caleis. As suas tentações, porém, o seguiram também para lá. Ele tinha levado sua biblioteca consigo, e na caverna em que vivia ele estudava, copiava livros e escrevia tratados. Seu espírito foi sacudido quando, no meio de uma enfermidade grave, ele sonhou que estava no juízo final, e que o juiz lhe perguntava: "Quem és?" Jerônimo afirmava: "Sou cristão". E o juiz lhe respondia: "Mentes. Não és cristão, mas ciceroniano". A partir de então Jerônimo se dedicou com afinco redobrado ao estudo das Escrituras, se bem que nunca deixou de citar, nem de ler e imitar os escritores pagãos.
O sexo também era uma obsessão para ele. Jerônimo que¬ria se libertar totalmente dele. Mas os sonhos e as lembranças das dançarinas de Roma o seguiam até mesmo para Caleis. A única maneira de se desfazer destas tentações era castigar o próprio corpo, e por causa disto ele levava uma vida exageradamente austera. Andava sujo, e chegou mesmo a dizer e praticar que quem tinha sido lavado por Cristo não tinha necessidade de se lavar de novo.
E isto ainda não bastava. Era necessário ocupar sua mente com algo que desalojasse as lembranças de Roma. Foi então que ele decidiu estudar hebraico. Para sua mente treinada na literatura clássica, o hebraico, com suas letras raras e suas aspirações, parecia bárbaro. Mas como cristão ele dizia que nesta língua estavam escritos os livros sagrados, e que por isto ela era divina. Neste período, escreveu também a Vida de São Paulo, o eremita.
Jerônimo, no entanto, não fora feito para levar uma vida de anacoreta (religioso ou penitente que vive na solidão). Provavelmente, antes de completar três anos como eremita, ele regressou à civilização. Em Antioquia, ele foi ordenado presbítero. Esteve em Constantinopla antes e durante o concílio ecuménico do ano 381. Mais tarde voltou para Roma, onde o bispo Damásio, bom conhecedor da natureza humana, fez dele seu secretário particular, e lhe deu todo tipo de oportunidades para estudar e escrever. Damásio foi também o primeiro que lhe deu a sugestão da obra que mais tarde consumiria boa parte da sua vida e seria seu principal monumento: uma nova tradução da Bíblia para o latim. Jerônimo já dera alguns passos nesta direção quando ainda estava em Roma, mas se entregou totalmente a esta tarefa somente bem depois, em Belém.
Em Roma, Jerônimo encontrou consolo com um grupo de mulheres castas e devotas. No palácio da viúva Albina e de sua filha Marcela — também viúva — vivia um grupo de mulheres que se dedicavam a uma vida austera, à meditação religiosa e ao estudo das Escrituras. Faziam parte deste grupo, além de Marcelina (a irmã de Ambrósio de Milão), Asséia, a filha de Marcela, e Paula, que junto com sua filha Eustóquia acompanharia desde então a vida de Jerônimo. O secretário do bispo visitava esta casa com frequência, pois teve nestas mulheres discípulas consagradas, que absorviam com avidez seus conhecimentos. Algumas logo começaram a estudar grego e hebraico, e Jerônimo tinha com elas conversas sobre o texto bíblico, o que não era possível com seus contemporâneos homens.
É interessante que Jerônimo, que nunca soube manter um relacionamento amistoso com seus colegas homens, o soube com este grupo de mulheres. E isto apesar de o sexo sempre ter sido para ele uma obsessão, tanto que ele tinha horror de pensar na fisiologia feminina. Entre estas mulheres santas, porém, que escutavam com avidez e que não poderiam querer corrigi-lo, Jerônimo estava tranquilo e à vontade, e assim foram elas, e não o resto do mundo, que conheceram a devoção e a doçura que estavam escondidas no fundo da sua alma.
Enquanto isso, entretanto, Jerônimo continuava fazendo inimigos entre as pessoas chegadas ao bispo Damásio. Não fosse o apoio deste, seus anos de paz em Roma nunca teriam acontecido. Por isso quando Damásio morreu, em fins de 384, a tempestade se desencadeou. Basília, uma das filhas de Paula, morreu, e algumas pessoas disseram que sua morte fora cau¬sada pela vida excessivamente rigorosa que Jerônimo lhe tinha imposto. Sirício, o sucessor de Damásio, não apreciava os estudos de Jerônimo, e este afinal decidiu ir embora de Roma, para a Terra Santa - ou, como ele dizia, "de Babilónia para Jerusalém".
Acima de tudo, no entanto, Jerônimo se dedicou à obra que seria seu principal monumento literário: a tradução da Bíblia para o latim. Naturalmente já existiam outras traduções das Escrituras naquela época. Mas todas tinham sido feitas a partir da Septuaginta, isto é, a tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego. Jerônimo se pôs ao trabalho, apesar de ser constantemente interrompido por sua enorme correspondência, suas constantes controvérsias e as calamidades que assolavam o mundo.
A longo prazo a versão de Jerônimo — conhecida como a Vulgata — se impôs em toda a igreja de fala latina, mas a princí¬pio não foi tão bem recebida como Jerônimo desejara. Naturalmente a nova tradução da Bíblia — como toda tradução nova — mudava algumas das passagens favoritas de algumas pessoas, e muitos se perguntavam que direito tinha Jerônimo de mudar as Escrituras.
Além disso, muitas tinham aceito a lenda de acordo com a qual a Septuaginta tinha sido traduzida por setenta homens que coincidiram até mesmo nos mínimos detalhes na sua tradução, apesar de trabalharem separadamente. Com isso justificava-se a versão grega, e afirmava-se que ela era tão inspirada como o original hebraico. Por isso, quando Jerônimo publicou uma nova versão que diferia da Septuaginta, não falta¬ram os que o acusaram de estar desrespeitando as Escrituras.
Estas críticas não provinham somente de pessoas ignorantes, mas até mesmo de alguns dos sábios mais distintos da época. Agostinho lhe escreveu, do norte da África:

Rogo-te que não dediques teus esforços à tradução dos livros sagrados para o latim, a menos que sigas o método que seguiste antes, em tua versão do livro de Jó, ou seja, acrescentando notas que mostrem claramente em que pontos tua versão difere da Septuaginta, cuja autoridade é inigualável... Além disso não vejo como, depois de tanto tempo, alguém possa descobrir nos manuscritos hebraicos alguma coisa que tantos tradutores e bons conhecedores da língua hebraica não tenham visto antes.

Jerônimo não lhe respondeu logo, e quando finalmente o fez, simplesmente deu a entender a Agostinho que ele não deveria tentar se promover, atacando os que eram maiores do que ele. De maneira sutil, ao mesmo tempo que parecia elogiá-lo, Jerônimo dizia a Agostinho que o combate seria desigual, e que, portanto, o bispo faria bem deixando de criticar o velho erudito.
A maior parte das controvérsias de Jerônimo terminaram em querelas nunca resolvidas, mas, no caso de Agostinho, a situação foi diferente, pois anos mais tarde Jerônimo precisou refutar a heresia dos pelagianos — da qual falaremos depois — e para isso teve de recorrer às obras de Agostinho. Sua próxima carta para o sábio bispo demonstra uma admiração que Jerônimo reservava para muito poucas pessoas.
Tudo isso pode dar a entender que Jerônimo era uma pessoa insensível, preocupada somente com o próprio prestígio. Pelo contrário, seu espírito era extremamente sensível, e precisamente por esta razão ele tinha de apresentar para o mundo uma fachada rígida e imperturbável. Talvez ninguém soubesse isso tão bem como Paula e Eustóquia, sua filha. Mas Paula mor¬reu em 404 e Eustóquia em 419, e Jerônimo ficou só e desani¬mado. Sua dor era tanto maior porque ele sabia que não só ele se aproximava de seu fim, mas toda uma era.
Uns poucos anos antes, em 410, Roma tinha sido tomada e saqueada pelos godos, sob o comando de Alarico. Todo mundo estremeceu a esta notícia. Quando Jerônimo o soube, em seu retiro em Belém, escreveu a Eustóquia:

"Quem pode acreditar que Roma, construída pela con¬quista do mundo, tenha caído? Que a mãe de muitas nações se transformou num túmulo? . . . Meus olhos obscurecem por causa da minha idade,... e com a luz que tenho à noite não posso ler os livros em hebraico, que até de dia me são difíceis por causa do pequeno tamanho das letras."

Jerônimo viveu ainda quase dez anos depois da queda de Roma. Foram anos de solidão, controvérsias e sofrimento. Por fim, poucos meses depois da morte de Eustóquia, o velho erudito entregou o espírito.

Agostinho de Hipona
"Toma e lê. Toma e lê. Toma e lê". Estas palavras, que alguma criança gritava em seus jogos infantis, flutuaram sobre a grade do parque de Milão e foram dar nos ouvidos do abatido mestre de retórica que clamava debaixo de uma figueira: "Até quando, Senhor, até quando? Amanhã, sempre amanhã? Porque não acaba com minha imundície neste exato momento?"
As palavras que o menino gritava lhe pareceram ser um sinal do céu. Pouco antes ele jogara fora, em outro lugar do parque, um manuscrito que estivera lendo. Agora voltou para lá, tomou-o e leu as palavras do apóstolo Paulo: "Não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne" (Romanos 13:13-14). Em resposta a essas palavras do apóstolo, Agostinho — porque assim se chamava aquele mestre de retórica — decidiu ali mesmo o que estivera tentando decidir por muito tempo. Dedicou-se totalmente à vida religiosa, deixou sua ocupação como professor, e em resultado a tudo isso a posteridade o conhece como "Santo Agostinho".
Mas para compreendermos o alcance e o sentido daquela experiência no parque de Milão, precisamos nos deter para narrar a vida do jovem Agostinho até aquele momento crucial,
Caminho para a salvação
Agostinho nasceu em 354, no povoado de Tagaste, no norte da África. Seu pai era um oficial romano do escalão inferior, e era pagão. Sua mãe, porém, Mônica, era uma cristã fervo¬rosa, cuja oração constante pela conversão de seu esposo aca¬baria sendo respondida. Agostinho parece não ter tido um relacionamento muito íntimo com seu pai, pois o menciona muito pouco em suas obras. Mônica, no entanto, soube conquistar seu afeto, a ponto de boa parte da vida adulta de Agostinho ainda ter transcorrido à sombra de sua mãe.
Seja como for, os pais de Agostinho sabiam que seu filho tinha uma inteligência pouco comum e, por isso, se esmeraram em oferecer-lhe a melhor educação disponível. Com este propó¬sito, enviaram-no primeiro para a próxima cidade, Madaura, e depois para Cartago.
Agostinho tinha uns dezessete anos quando chegou à grande cidade que durante vários séculos tinha sido o centro político, económico e cultural da África de fala latina. Parece que ele não se descuidou dos estudos, mas logo ele começou a desfrutar também dos diversos prazeres que Cartago lhe oferecia. Conheceu ali uma mulher com a qual passou a conviver, e de quem teve seu único filho, Adeodato.
A matéria que Agostinho estudava, retórica, servia para preparar advogados e funcionários públicos. Seu objetivo era ensinar a falar de maneira elegante e convincente, e não se importava se o que era dito era certo ou não. Os professores de filosofia podiam se preocupar com a natureza da verdade. Os de retórica se preocupavam somente com o bom falar. Por isso esperava-se que Agostinho aprendesse em Cartago não a verdade, mas somente a maneira de persuadir os demais de que o que ele dizia era certo e justo.
Entre as obras da antiguidade que os estudantes de retórica deviam ler estavam as de Cícero, o famoso orador da era clássica romana. E Cícero, além de orador, tinha sido filósofo. Agostinho, lendo uma das suas obras, devido a isto se convenceu que o bom falar não era suficiente. Era necessário buscar a verdade.
Essa busca o levou, primeiramente, para o maniqueísmo. O maniqueísmo era uma religião de origem persa, fundada por Mani na primeira metade do século III. Na opinião de Mani, a difícil situação humana era causada pelos dois princípios que há em cada um de nós. Um deles é espiritual e luminoso. O outro — a matéria — é físico e tenebroso. Em todo o universo há dois princípios igualmente eternos: a luz e as trevas. De alguma maneira, que os maniqueus explicavam através de uma série de mitos, estes dois princípios se mesclaram e se confundiram, e esta confusão se projetou sobre a situação humana. A salvação, então consiste em separar esses dois elementos, e em preparar nosso espírito para a volta ao reino da luz, e sua fusão final com a luz eterna. Como toda nova mistura é necessariamente má, os novos crentes devem fazer tudo para evitá-la — e por esta razão, os maniqueus, apesar de não condenarem o sexo, condenavam a procriação.
Mani dizia que essa doutrina tinha sido revelada em diversas épocas a vários profetas, entre os quais estavam Buda, Zoroastro, Jesus e, por último, ele próprio.
No tempo de Agostinho, o maniqueísmo tinha se espalhado por toda a costa do Mediterrâneo, e seu principal meio de difusão era sua auréola de ser uma doutrina eminentemente racional.
Assim como o gnosticismo em épocas anteriores, o maniqueísmo explicava suas doutrinas com base em observações astronômicas. E boa parte de sua propaganda consistia em ridicularizar as doutrinas da igreja, particularmente as Escrituras, cujo materialismo e linguagem primitiva eram objeto de crítica e zombaria.
Tudo isso parecia ser uma resposta para as dúvidas de Agostinho, que estavam centralizadas em dois pontos. O primeiro destes era que as Escrituras cristãs, do ponto de vista da retórica, eram uma série de escritos pouco elegantes e até mesmo bárbaros, que faziam caso omisso de muitas regras do bom falar, e onde estavam registrados muitos episódios grosseiros de violência, violações, engano, e outros. O segundo era a questão da origem do mal. Mônica lhe tinha ensinado que só havia um Deus. Mas Agostinho olhava ao seu redor, e para dentro de si mesmo, e se perguntava de onde vinha todo o mal que existia no mundo. Se Deus era a suprema bondade, ele não podia ter criado o mal. E se Deus criou todas as coisas, não podia ser tão bom e sábio como Mônica e a igreja diziam. Nos dois pontos, o maniqueísmo parecia ter uma resposta. As Escrituras — o Antigo Testamento em particular — na verdade não eram a palavra do princípio da luz eterna. O mal também não era produto deste princípio, mas de seu oponente, o princípio das trevas.
Por todas essas razões, Agostinho se tornou maniqueu. Mas ainda restavam dúvidas, e por esta razão, durante nove anos, ele não passou de "ouvinte" do maniqueísmo, sem tentar ascender para a classe dos "perfeitos". Quando ele expressava suas dúvidas nas reuniões dos maniqueus, os outros lhe diziam que estes problemas eram muito profundos, e que o grande sábio maniqueu, um tal de Fausto, lhe daria a resposta. Quando a tão ansiada visita finalmente chegou. Fausto provou ser uma farsa, cujo conhecimento não era maior que o dos demais mestres do maniqueísmo. Desiludido Agostinho decidiu conduzir sua busca pela verdade por outros caminhos. Seus estudantes cartaginenses também não se comportavam tão bem como ele desejava, e por isso, ele decidiu tentar sua sorte em Roma.
Os estudantes romanos, por sua vez, mesmo se portando melhor não o pagavam, e por essa razão ele se transferiu para Milão onde havia uma vaga de professor de retórica.
Em Milão, Agostinho se tornou neoplatônico. O neoplatonismo era uma doutrina muito popular naquela época. Não podemos descrever aqui toda esta filosofia, mas é suficiente se dissermos que o neoplatonismo era tanto uma doutrina como uma disciplina. Seu objetivo central era vir a conhecer o Um inefável, do qual provinham todas as coisas, combinando o estudo com a contemplação mística, até chegar ao êxtase.
Em oposição ao maniqueísmo, o neoplatonismo cria que existia só um princípio, do qual provinha toda a realidade, através de uma série de emanações — como os círculos concêntricos que uma pedra produz em uma piscina. As realidades mais próximas deste Um são superiores, e as mais distantes dele inferiores. O mal, então, não provém de um outro princípio, mas consiste em afastar-se do Um inefável, e dirigir os olhos e pensamentos para a infinita multiplicidade do mundo material.
Tudo isso era uma resposta para uma das velhas interrogações de Agostinho, o problema da origem do mal. Desse ponto de vista, era possível afirmar que um só ser, de bondade infinita, era a fonte de toda a criação, sem com isso negar o mal que há nela. O neoplatonismo também ajudou Agostinho a conceber Deus e a alma em termos menos materialistas que os que tinha apren¬dido com os maniqueus.
Ainda restava, porém, uma dúvjda. Como podiam as Escrituras, com sua linguagem rude e suas histórias de violência e roubo, ser a Palavra de Deus? Foi nesse ponto que Ambrósio de Milão entrou em cena.
Agostinho, como professor de retórica, foi ouvir a pregação do famoso bispo. Seu propósito não era ouvir o que Ambrósio dizia, mas como ele o dizia. Se Ambrósio tinha tanta fama de ser um bom orador, a causa disso deveria ser sua retórica. Agostinho, pois, foi por razões puramente profissionais diversas vezes à igreja, para ouvir a pregação de Ambrósio. À medida que o ouvia, no entanto, prestava menos atenção à maneira com que o bispo elaborava seus sermões, e mais ao que dizia neles. Ambrósio usava o método alegórico na interpretação de muitas passagens em que Agostinho tinha encontrado dificuldades.
Como esse método era perteitamente aceitável na ciência retórica da época, Agostinho não podia fazer nenhuma objeção. O que Ambrósio na verdade estava fazendo, apesar de não estar ciente disto, era mostrar ao mestre de retórica a riqueza e o valor das Escrituras.
A partir de então as dificuldades intelectuais estavam resolvidas. Mas havia outras. Agostinho não se tornaria cristão facil¬mente. Se decidisse abraçar a fé de sua mãe, o faria de todo coração, e para toda a vida. Por causa do exemplo dos monges e da sua própria formação neoplatônica, Agostinho estava convicto de que teria de renunciar à sua carreira de professor de retórica, e todas as suas ambições e gozo dos prazeres sensuais, se se tornasse cristão. Esse último ponto era a principal dificul¬dade que ainda o detinha. Ele mesmo conta que sua constante oração era: "Dá-me castidade e continência. Mas não logo".
Então recrudesceu nele a batalha entre o querer e o não querer. Ele queria se tornar cristão. Mas ainda não. Sabia que não podia mais interpor dificuldades de ordem intelectual, o que fazia a luta consigo mesmo ser mais intensa ainda. De todos os lados lhe vinham notícias de outras pessoas que tinham feito o que ele não arriscava fazer, e ele sentia inveja.
Uma destas pessoas era o famoso filósofo Mário Vitorino, que tinha tradu¬zido para o latim as obras neoplatônicas que Agostinho tanto apreciava, e que certo dia se apresentou na igreja de Roma para fazer profissão pública da sua fé cristã. Pouco depois de ser informado da atitude de Mário Vitorino, Agostinho soube de dois altos funcionários que tinham lido a Vida de Santo Antó¬nio, escrita por Atanásio, e deixado cargos e honras para se dedicar a uma vida semelhante. Neste momento, não podendo tolerar a companhia de seus amigos — nem tampouco a sua — ele fugiu para o parque, onde o encontramos no começo deste relato, e onde teve lugar sua conversão.
A vida contemplativa
Depois da sua conversão Agostinho começou a dar os passos necessários em que sua decisão implicava. Pediu o batismo, e o recebeu das mãos de Ambrósio — o qual, como dissemos anteriormente, não parece ter notado os dotes excepcionais de seu converso. Renunciou ao cargo de retórica. E junto com um grupo de amigos e sua mãe Mônica decidiu regressar para o norte da África, para ali se dedicar à vida contemplativa.
Mônica o tinha acompanhado em boa parte de suas via¬gens, pois ficara viúva e desde então se dedicava inteiramente à vida religiosa e a cuidar de seu filho. Algum tempo antes, por insistência de sua mãe, Agostinho tinha despedido a concubina com quem vivera por vários anos — cujo nome ele nem sequer menciona — e ficado com Adeodato. Agora, junto com Mônica, Adeodato e alguns amigos, ele partiu para a África. No porto de Óstia, todavia, Mônica adoeceu e morreu, e Agostinho ficou tão desolado que ele e seus companheiros ficaram vários meses mais em Roma, antes de partir para a África.
Quando, por fim, chegaram em Tagaste, Agostinho vendeu a maior parte das suas propriedades, deu o dinheiro aos pobres e se dedicou a uma vida retirada em companhia de Adeodato e seus amigos. Não se tratava, no entanto, de uma vida exces¬sivamente austera, no estilo dos monges do deserto, mas mais de uma vida disciplinada dedicada ao estudo, à devoção e à meditação.
Ali Agostinho escreveu suas primeiras obras cristãs. Em algumas ainda se via a marca neoplatônica. Apesar disso, em toda a região ele em pouco tempo foi reconhecido como cristão dedi¬cado, professor hábil e líder espiritual dos seus companheiros. Em Casicíaco — assim se chamava o lugar onde eles moravam — Agostinho era completamente feliz, e não tinha outra ambição que continuar assim até o fim da sua vida.
Ministro da igreja
Mas havia os que tinham outros propósitos para sua vida. Em 391 Agostinho visitou a cidade de Hipona para encontrar um amigo que queria convidar para que se unisse ao grupo de Casicíaco. Quando foi à igreja da cidade, o bispo Valério pregou sobre como Deus envia pastores para seu rebanho, e solicitou à congregação que pedisse a Deus que indicasse se havia entre a congregação uma pessoa que ele tinha enviado para ser seu ministro, agora que ele estava envelhecendo. Naturalmente a reação da congregação foi exatamente a que o bispo desejava, e Agostinho foi ordenado, contra a sua vontade.
Quatro anos mais tarde foi feito bispo de Hipona junto com Valério, que tinha medo que alguma outra igreja lhe arrebatasse sua presa. Nesta época era proibido que um bispo fosse transferido de uma cidade para outra, e desta forma Valério garantia que Agostinho passaria o resto de seus dias em Hipona. (Agostinho não o sabia, mas também era proibido que houvesse dois bispos na mesma igreja.)
Como ministro e como bispo, Agostinho continuou levando uma vida semelhante à que tinha levado em Casicíaco. Só que não podia mais dedicar tanto tempo à contemplação, por causa dos seus deveres pastorais. Em cumprimento destas responsabilidades, ele escreveu uma série de obras que fizeram dele o teólogo mais importante da igreja ocidental desde o tempo do apóstolo Paulo.
O impacto de Agostinho
Agostinho foi o último sobrevivente da "era dos gigantes". Quando ele morreu, os vândalos estavam às portas de Hipona, anunciando uma nova época. Por isto a obra de Agostinho foi como o canto do cisne de uma época que morria.
Apesar disso, sua obra não ficou esquecida entre os escombros da civilização que desmoronava. Agostinho foi o mestre por excelência da nova época. Durante toda a Idade Média, nenhum teólogo foi mais citado do que ele, e por esta razão ele acabou sendo um dos grandes doutores da Igreja Católica Romana.
Mesmo assim, Agostinho foi também o autor favorito dos grandes reformadores do século XVI. Portanto, nenhum de todos aqueles gigantes foi tão notável quanto ele, que levou a cabo sua obra em uma pequena cidade do norte da África, mas cujo impacto se fez sentir através dos séculos futuros em todo o cristianismo ocidental — tanto católico como protestante.

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